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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Bispo deposita mitra e báculo aos pés de Nossa Senhora ao sair da Igreja Anglicana.


Um detalhe intensamente tocante do último sermão anglicano do reverendoAndrew Burnham, bispo de Ebbsfleet, na Inglaterra, pronunciado no último sábado na igreja de São João, o Evangelista, em New Hinksey, Oxford: no final do culto, Dom Burnham – que será ordenado no Ordinariato como padre católico – “depositou seu báculo e sua mitra aos pés de Nossa Senhora”.
Publicamos abaixo o sermão pronunciado pelo bispo anglicano. O texto foi publicado no blog de Damian Thompson, no portal do jornal The Telegraph.
Eis o sermão:
Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não fosse assim, e eu vos teria dito; pois vou preparar-vos um lugar. (João 14, 2)Obrigado, a todos vocês, por virem aqui hoje. Fazer este culto foi um pouco como um pós-pensamento: supõe-se que eu deveria estar em uma licença de estudo, e eu sabia, no meu coração, que ela iria se transformar em uma “licença de jardinagem”, que eu deveria renunciar ao invés de retornar ao trabalho de bispo junto com vocês.
Mas sempre me lembro da minha esposa, Cathy, dizendo aos alunos egressos da St Stephen’s House que é vital partir corretamente, dizer seus adeus e seguir em frente. Não é bem aquilo que os norte-americanos chamam de “fechamento”, mas é algo parecido. É o que distingue uma partida digna de uma morte.De certa forma, partir é desconfortavelmente como morrer. Enquanto estou no meu escritório, ouço o que está acontecendo. Outros bispos já estão ajudando, e já somos gratos a Dom Lindsay Urwin por isso. O Conselho de Presbíteros se reúne e fala sobre que tipo de bispo em Ebbsfleet é necessário no futuro. Histórias que sugerem que as pessoas não estão se afastando, mas simplesmente seguindo em frente, esperando um novo bispo, com a vida voltando ao normal.
A morte muitas vezes produz uma ruptura cruel, deixando todos os tipos de coisas inacabadas e uma multidão de “se ao menos…”. Uma partida decente prepara algumas das coisas que precisam ser preparadas, faz arranjos adequados. Eu continuo voltando à narrativa da Paixão e da partida de Jesus. Não se enganem, eu não tenho delírios de grandeza, mas, como disse na minha Carta Pastoral, acho os discursos de despedida do Evangelho de São João imensamente ricos. Como eu disse naquela carta:
“Olhando para os Discursos de Despedida, não é só Jesus que vai à frente para preparar um lugar, mas há também a promessa de uma nova efusão do Espírito Santo (João 14). Jesus é a Videira Verdadeira, e, separados dele, não podemos fazer nada além de murchar, ser jogados no fogo e queimados (João 15). Seu novo mandamento é amar uns aos outros. ‘Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros’. O trabalho do Espírito é de nos guiar à toda a verdade (João 16, 13) e de glorificar o Pai e o Filho. Assim, nossa tristeza se converterá em alegria. Aprendemos com o dom da Paz, que, em meio à tribulação do mundo, é encontrado apenas em Cristo. Finalmente, Jesus reza pelo dom da Unidade (João 17). É esse dom da Unidade, creio, que nos é oferecido e, por meio de nós, finalmente oferecido a todos os cristãos separados, na Constituição Apostólica”Anglicanorum coetibus” É pelo fato de ele ser um dom do Espírito Santo, que permanece em sua Igreja, que eu acredito que devo aceitá-lo e convidar outros a me acompanhar nessa viagem.”
“Não fosse assim, eu vos teria dito; pois vou preparar-vos um lugar”. A partida de Jesus foi uma morte, mas foi uma morte que trouxe a salvação, e parte do segredo de fazer isso, humanamente falando, foi a forma como ele preparou seus discípulos e o que ele, então, passaria a fazer. A morte de Jesus foi uma partida, mas de forma nenhuma foi uma partida decente. Houve a crueldade da Paixão, a desolação do Gólgota, a angústia da Pietà, e o frio do sepulcro. O que eu quero dizer é que essa partida – essa morte –, explicada de antemão e anunciada previa e gloriosamente na Ressurreição, deve dar forma a todas as nossas tentativas de ser discípulos de Jesus. E por isso uma partida decente, explicada de antemão e – quem sabe? – anunciada previamente naquilo que vem depois. Isso não é um complexo de Messias, mas uma tentativa de seguir Jesus, como discípulo.
Então, o que estou deixando para trás? Setenta e cinco paróquias – sem mencionar as dezenas de paróquias que eu perdi na diocese de Exeter há dois ou três anos, uma perda que eu ainda sinto. Os padres que servem a essas paróquias, grande parte deles maravilhosos – ou ao menos geralmente adoráveis. E depois há aquelas pessoas que devem ser nomeados: Vicky Hayman e Jackie Ottaway no escritório, ex-colaboradoras que mantiveram tudo acontecendo. Alan, que me dirigiu por aí durante quase dez anos e gentilmente me ouviu roncar durante o noticiário das dez horas, quando me levava para casa. O Pe. Bill, meu capelão, que ajeitava as minhas coisas em uma grande variedade de sacristias, mas que também fez a maior parte do trabalho pastoral do bispo no lugar dele. A equipe foi fabulosa. E há outros também: o Meritíssimo Senhor Juiz Patrick, que costumava me dar conselhos jurídicos gratuitos e apoio, mas que, por agora ser juiz, não pode mais fazer isso. Os dois ou três deões, que se mantiveram em contato por telefone mais ou menos a cada semana durante dez anos. Falando neles, devo mencionar meu Conselho de Presbíteros, que se tornou um Conselho de Amigos. As pessoas das paróquias, que mostravam todas as vezes um compromisso com o Senhor e uns com os outros que eu achava humilde, instrutivo e que realçava a vida. Vários leigos chave – no Conselho de Leigos, nos Finais de Semana de Evangelismo das paróquias – servindo com dedicação e habilidade.
Também estou deixando para trás o movimento anglo-católico extremamente enlouquecedor: sua fragilidade e sua coragem, seu humor e sua santidade. É um lar para alguns personagens um pouco desacreditados – e é o ministério de Jesus especializado em estar à mesa com personagens um pouco desacreditados.
O movimento anglo-católico tem travado uma batalha perdida por 150 anos, tentando convencer a Igreja da Inglaterra que ela iria ser católica se ela se conformasse com a fé católica e abraçasse totalmente a Fé e a Ordem Católicas. Foi uma batalha perdida quando eu era um garotinho de dez anos, xingado por enfiar nomes de santos noConfiteor no início da Comunhão. Foi uma batalha perdida quando eu tinha 20 anos, e oPe. Hooper continuava indo ao encontro de “Marias Madalenas”. É uma batalha perdida agora, quando o Sínodo Geral presume discutir questões de Fé e de Ordem em que o anglicanismo clássico sempre afirmou ter a mesma opinião que a Igreja universal, a Igreja do primeiro milênio, no Oriente e no Ocidente.
Mas eu amo a Igreja da Inglaterra – a corrente dominante – e vou sentir falta dela. Ela me ensinou os salmos e a Revised Standard Version [tradução da Bíblia]. Ela me ensinou a música a serviço de Deus. Ela me ensinou a beleza da santidade. Ah, sim, a excitação impertinente do Folies Bergère pode estar disponível no culto anglo-católico, mas a melancólica dignidade do culto das catedrais, o decoro e a decência, é algo que eu também vou sentir falta. Tentei reunir um pouco de tudo isso no culto de hoje. Não há nada mais anglicano do que o Collegium Regale de Herbert Howells, “que toda a carne mortal mantenha silêncio”, de Edward Bairstow, ex-organista da Catedral de York, e o canto dos salmos por George Thalben-Ball, ex-organista da TempleChurch. Não há nada mais bonito na literatura do que as cadências Cranmerianas da linguagem tradicional do Livro de Oração, que, um pouco incomumente, nós estamos usando hoje. Vou sentir falta até daquelas pessoas da corrente dominante que eu conheci e com quem eu trabalhei.
Assim, se “partir bem” traz à mente aquilo que se vai perder, então eu estou aprendendo a partir. Se tem a ver com olhar para a frente, para aquilo que está por vir, então eu não tenho certeza: eu nunca tive menos certeza de como o futuro irá se desenrolar. Mas, finalmente – e já desisti de tentar fazer deste discurso um sermão apropriado –, se eu quero partir corretamente, devo dizer: obrigado por tudo o que vocês têm feito por mim, por tudo o que vocês têm sido para mim e por tudo o que vocês são e sempre serão para mim. Para muitos, eu espero que seja um “até breve” e não um “adeus”, mas, em sua jornada de discipulado, não olhem para mim, mas para o Senhor a quem servimos. Só Ele pode nos ensinar a ser peregrinos no caminho que leva ao Paraíso.

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